terça-feira, 22 de setembro de 2009

Antiga Reportagem sobre o Lançamento do Livro do Mestre Bola Sete





Um manual sobre a capoeira



Hoje, às 18 horas, no Largo do Pelourinho, 12, onde está instalada a Livraria da Empresa Gráfica da Bahia, acontece o lançamento do livro Capoeira Angola na Bahia, de José Luís de Oliveira Cruz, o mestre Bola Sete. O livro é definido pelo autor como um manual para iniciantes, funcionando, na verdade, como um autêntico tratado sobre o desenvolvimento dessa arte na Bahia.O livro caracteriza as capoeiras Angola e Regional, identificando as diferenças metodológicas e, principalmente, a filosofia de ensino de cada uma. A sequência de golpes é mostrada com fotografias, seguida dos Cantos da Ladainha, Entrada e, Cantos Corridos, que servem, respectivamente, para a concentração, preparação, e a luta propriamente dita. Estes cantos são revelados em livro pela primeira vez, apesar da existência de vários títulos editados sobre a capoeira. Movimentos básicos da Capoeira Angola e suas principais variações de golpe, é um capítulo que esclarece a possibilidade do capoeirista improvisar, dentro de suas características, e até criar novos movimentos. Na sequência, é mostrado como são desferidos os principais golpes e a maneira de aplicá-los. Os toques do berimbau, também são ensinados de forma simples, com a designação de seus nomes e marcações.Um trecho do livro que deve causar polêmica entre os praticantes da Capoeira Angola é o que defende a graduação, como forma de incentivo e organização da luta. A criação de uma sequência para o jogo de dentro (praticado no chão) que o coloca no mesmo grau de importância do jogo de fora (praticado em pé) no desenvolvimento da luta, também vai causar sensação na capoeiragem.
Em suma, o livro engloba as transformações sofridas pela capoeira desde o período da escravidão até os dias atuais, citando os grandes mestres como Pastinha, Bimba e Besouro Cordão de Ouro, dentro de dezenas de outros, com suas peculiares histórias. Entretanto, mestre Pastinha merece maior destaque. Fundador da primeira escola de capoeira na Bahia, no Campo da Pólvora, em 1910, e representante do Brasil no 1º Festival de Arte Negra, em Dakar, na década de 60, Pastinha se tornou uma assumidade nessa arte de luta.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

TOQUES DE BERIMBAU E GOLPES DA CAPOEIRA




Venho observando em todos esses anos dedicados ao ensino da capoeira angola a polêmica existente no meio capoeirístico em torno do número exatos dos toques de berimbau e dos golpes de capoeira que, a medida que o tempo passa, vem aumentando consideravelmente a sua quantidade, devido à nossa capacidade criativa, própria do artista que somos.
No entanto a resposta é muito fácil: "As coisas simples estão mais perto da grande verdade". Todos os toques do berimbau são executados através de cinco batidas com a vaqueta no arame que liga a cabaça à verga, através de um barbante. Baseado nisso, posso afirmar que são apenas sete (sete) o número de toques do berimbau.
São eles:


ANGOLA (batidas)
(invertendo o toque de São Bento)
2 em cima – tich...tich
1 em baixo – tom
1 ou 2 em cima – tim (tim)


SÃO BENTO (batidas)
(invertendo o toque de Angola)
3 em cima – tich...tich...tim
1 ou 2 em baixo – tom (tom)


JOGO DE DENTRO (batidas)
(invertendo o toque de Jogo de Fora)
2 em cima – tich...tich
2 em baixo – tom...tom
1 em cima – tim


JOGO DE FORA (batidas)
(invertendo o toque de Jogo de Dentro)
4 em cima – tich...tich...tim...tich
1 em baixo – tom


SANTA MARIA (batidas)
(invertendo o toque de benguela)
2 em cima – tich...tich
1 em baixo – tom
1 em cima – tim
1 em baixo – tim


BENGUELA (batidas)
(invertendo o toque de Santa Maria)
3 em cima – tich...tich...tim
1 em baixo – tom
1 em cima – tim


YUNA (batidas)
(sem inversão, apenas executado pelo berimbau viola)
2 em cima – tich...tich
3 em baixo – tom...tom...tom

Os toques acima citados mudam bastante a sua denominação de uma academia para outra, com exceção do primeiro (angola) e do segundo (São Bento), bastante conhecidos, denominados pequena ou dobrada, grande ou pequeno, respectivamente a depender do ritmo: Lento, moderado ou rápido.
Quando o toque finaliza na Quarta batida (angola pequena e São Bento pequeno), o instrumentista encosta a vaqueta na parte do arame abaixo do barbante, sacudindo simultaneamente o caixixi, eqüivalendo à Quinta batida.
Tonalidades musicais do berimbau:


Agudo: - TIM – com o dobrão preso
Abafado: - TICH – com o dobrão folgado
Grave: - TOM – com o dobrão solto


Somente para esclarecer, o berimbau propriamente dito, de tamanho normal e som característico é denominado GUNGA ou URUCUNGO (solo); o da cabaça grande que emite som bastante grave é o BERRA-BOI (marcação); e o da cabaça pequena e som bastante agudo é o VIOLA (improviso). Foi assim que eu aprendi na Academia do Mestre Pastinha. Quanto aos golpes da capoeira são também em número de 7 (sete), com diversas variações e combinações, além de denominações que diferem de uma Academia para outra e são aplicados com:


O calcanhar: RABO DE ARRAIA
As laterais do pé: MEIA LUA
A ponta do pé: PONTEIRA
O dorso do pé: CHIBATADA
A planta do pé: CHAPA
A cabeça: CABEÇADA
O joelho: JOELHADA


Para finalizar, transcrevo do livro do Dr. Decânio (aluno do Mestre Bimba em 1938), as palavras do Mestre Pastinha a respeito do assunto em pauta: "...Pastinha dizia que os golpes fundamentais da capoeira angola, assim como os toques do berimbau, são apenas sete... mas cada um destes sete pode gerar sete... e cada um dos sete gerados pelos primeiros pode gerar mais sete e assim de sete em sete podemos chegar ao infinito!"


(José Luiz Oliveira Cruz, Mestre Bola Sete)


Em matéria ao Jornal Muzenza – Curitiba/ PR

Onde tudo Começou ... Mestre Pastinha


Mestre Pastinha

Vicente Ferreira Pastinha, nasceu na Bahia – é obvio. Nasceu no ano da Proclamação da República 1889, - um ano após a Lei Áurea – veio ao mundo numa atmosfera pesada, não por poluição, por preconceitos, por um mercantilismo que não excluía o homem nas suas ambições. Filho de um espanhol, José Señor Pastinha, e de um negra, Raimunda dos Santos, aquele moleque, baixinho, de pernas curtas, seria o maior capoeirista que toda a Bahia conheceu.
Capoeira, fora qualquer pulsilaminidade de interpretação, naquele tempo tinha um caráter classista. Era a luta dos escravos, "classe" dominada, luta que nasceu da necessidade de defesa, de fuga das chicotadas. A performance da luta é explicada pelo ambiente e pelas condições místicas da época.
FILOSOFIA
O caráter de dança, o inusitado de suas variações coleantes, nada mais são que o produto de um desenvolvimento às escondidas. O patrão jamais, soube que naquelas danças e vocações estava contido o elemento agressividade.
Muito mais que um simples jogo de pernas para agradar turistas, a capoeira é uma filosofia, é um sistema filosófico, ético, estético, e, principalmente moral. Na acepção de Pastinha "capoeirista é um gênio, Capoeira é sobre tudo muita intuição, vem do subconsciente".
O capoeirista tem normas que regem o seu comportamento. Jamais deve provocar alguém, nunca utilizar sua luta para agredir, sempre defender. Em uma rua escura, deve andar sempre no meio, nunca pelo passeio. A "malícia" é essencial no capoeirista, isto ao lado dos seus reflexos que devem ser, de todo, ágeis.
Conversar com Pastinha é sentir unidade. Jamais alguém terá compreendido o que é a Capoeira sem Ter conversado com ele. Sentir que, antes de tudo, é muito amor que tempera a luta, que o respaldo filosófico é essencial na integração do capoeirista, e que, existe uma "ideologia" própria da Capoeira, é essencial para compreensão e aceitação da luta.
INÍCIO
Tudo começou aos oito anos, no Pelourinho, Bahia. Aquele molecote, desajeitado, de pernas curtas, baixinho, cabeça grande, estava sendo massacrado por outro moleque. Foi aí que mestre Benedito, um negro africano que morava nas Rua das Laranjeiras, chamou-lhe e ensinou-lhe sua arte: a Capoeira. Não precisa nem dizer o que Pastinha fez do seu rival, e, desde essa época, muita gente conheceu a agilidade do Mestre, desde o policial ao malandro passaram pelos rabos de arraia daquele que foi, um dos poucos a jogar de fraque, cartola e roupa branca.
No início tudo era marginalização, a Capoeira relegada ao mais "baixo" setor da população, uma prática somente para malandro, para marginal. Besouro Cordão de Ouro, lá por Santo Amaro, pintava e bordava em cima das autoridades e senhores de engenho. Tudo isso com a ajuda do seu "corpo fechado" e da Capoeira, da qual, ele não chegou a ser um exímio lutador.
A Bahia vivia um clima de muito conteúdo místico, de grandes estórias de amor, o clima dos personagens de Jorge Amado. Pastinha conheceu rosa do Palmeirão – romance Mar Morto de Jorge Amado - "Palmeirona", como ele chama. Muitos casos de amor tiveram no "Seu" Quiosque na ladeira da Praça, onde Rosa ia freqüentemente visitá-lo. "Era realmente aquela mulher braba, portava navalha, batia em polícia e dormia com muita gente grande da época. Seabra, Calmom e outros políticos protegiam ela". Palmeirona ou "Rosa do Palmeirão" está morta. Morreu também com ela o movimento dos saveiristas no cais do porto. No cais morreu com desejo de ser mãe, criando o filho de Guma, aquele amado moreno, gosto de água do mar, sabor de "sodade".
Introduzindo a Capoeira na sociedade, com sua Academia no Pelourinho, Pastinha foi o responsável pela disseminação da popularidade da luta. Todos queriam conhecer o que era aquilo, que diabo tinham aqueles homens no corpo, aquela elasticidade impressionante. No entanto, tendo-a introduzido na sociedade, Pastinha nunca foi o responsável por esta onda de despersonalização da luta, jamais deu diploma aluno com apenas três meses de fixação de algumas seqüências. Na voz do Velho Pastinha se pode notar o rancor que ele tem de muito filho de "doutor" que tem por aí, despersonalizadores que reduziram a luta a um completo estilismo, que foge de sua raiz mais pura: o povo que a criou.
Pastinha não esconde seus sofrimentos materiais e espirituais. Materiais: viver em cubículo imundo, com filhos e netos, com a ajuda ínfima de 300 cruzeiros dada pelo Poder Público, que em troca, pediu-lhe, ou melhor, tomou-lhe o seu amor, sua fonte de vida, de saudade, de sonhos e fantasias, todos seus Orixás, brutalmente sem dó, mataram do Velho, esta Bahia de Verdades, o maior prazer que tinha na vida: lecionar Capoeira, como só ele sabe ensinar. 60 anos de ensino.
"Não passo fome por que Jorge Amado, Wilson Lins e meus amigos, me dão alguma coisinha", assim respondeu Pastinha à sua pergunta feita. Sua academia é promessa que nunca se cumpre, sua vida é coisa que está chegando ao fim. Talvez morra sem Ter o direito de revê-la com os olhos do coração, ou quem sabe, ele morra de alegria de ver algo que, praticamente, tornou-se impossível: sua Academia.
Espiritualmente é a mágoa dos "meninos", ou filhos de "doutor", que estão matando o folclore e querendo matar Pastinha. Quando aqui chegam turistas há capoeiristas que afirmam que o mestre já deixou a Capoeira. "Querem me matar, dizem até que deixei a Capoeira". Por que alienar Pastinha de uma atividade que se confunde com a sua existência? Essa é a sua felicidade.
Pastinha não só acredita no fantástico como já participou dele. O Diabo não é novidade para ele, já o viu, na Academia, lá no Pelourinho onde estava "preso por um trabalho". "É muito pequeno, não passa de um dedo mínimo, tem a cabeça enorme e é careca", estava ao seu pé, num dia em que estava tocando atabaque.
Quem o cegou foi uma aparição, uma mulher. Tinha voltado da Concha Acústica, de onde vinha de uma apresentação, em que um homem, não sabe de onde, o acompanhou durante toda a noite. "No outro dia em que acordei pela manhã, não consegui me manter em pé, sempre caía, eu apelei para Oxalá e tornei a me manter em pé e foi aí que eu vi "aquela mulher" não tinha olhos, era só a broca, dois buracos, desse dia para cá jamais voltei a enxergar".
É assim o realismo de Pastinha, a realidade e o fantástico se interpenetram, desaparecendo as fronteiras entre o real e o imaginário. As visões lhe aparecem sem que, com isto, elas tenham o caráter de alucinação ou mesmo irrealidade, um mundo completo de sensações e parasensações, um metaconhecimento das propriedades que tanto negamos ou afirmamo-las demais.
O Mestre está só, sozinho com o conhecimento absoluto de sua filosofia. A ninguém ensinou tudo que sabia a velha estória do gato, que ensinou todos os golpes à onça, menos um, para se conservar mestre. Somente João Grande e João Pequeno sabe a maioria dos golpes de Pastinha, que ensinou de acordo com a fama de cada um, colocando-os em equilíbrio, de modo a um nunca ultrapassar o outro.
Hoje o velho está só. Apenas ele com sua mágoa, saudades, aparições e com uma vontade enorme de Ter sua Academia e poder manter os seus netos. Pastinha pode morrer a qualquer momento, sem de novo ver o seu lugar de origem. E se Pastinha morrer? Quem vai contar suas dores? Será o Gabriel arcanjo ou o Gabriel herege que irá contar os seus 84 anos de solidão?

Ruy Penalva